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Artigos 5 nov
Os Deveres e a Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Anônimas

Tônia A. H. Dutra

As múltiplas atividades inerentes à gestão empresarial requerem de seus administradores, a cada momento, posicionamento claro e objetivo. Ao mesmo tempo, cada decisão e ato praticado carrega uma gama de compromissos e responsabilidades para a empresa e para os próprios administradores, conforme sua natureza. Para agir com eficiência e coerência em meio aos desafios e urgências dos negócios é preciso ter claros alguns parâmetros.

Na discussão sobrea responsabilidade dos administradores de uma sociedade anônima, as primeiras questões que se colocam são: a quem se atribui e qual o seu fundamento. E, embora a responsabilidade societária tenha conotação de responsabilidade civil do ordenamento comum, e antes de tudo, provenha de deveres éticos, é a própria lei das S/A que fornece esses parâmetros.

Administradores, segundo o disposto na lei das sociedades anônimas, são os Diretores e os membros dos Conselhos de Administração e Fiscal, quando houver, não obstante a questão sugira indagações quanto à condição de exercício das funções de administração, à extensão ao cargo de Gerente, solidariedade, e outras mais.Quem assume tais funções, assume também deveres perante os sócios/acionistas e a própria sociedade em geral, respondendo por seus atos.

A baliza proposta para efeitos de responsabilização pelo texto legal é a conduta de boa-fé, o comportamento coerente com os deveres que incumbem aos administradores, conforme a lei: diligência, lealdade e sigilo, informação, e de não agir em conflito com os interesses da empresa. Assim afirma Oliveira¹ “a responsabilidade dos administradores é pessoal, e permite a lei sua exclusão sempre que tenham agido de boa-fé e com vista ao interesse da companhia.”

Por diligência, entende o legislador, o dever de agir com o cuidado devido, como se fosse seu próprio negócio, respeitando as finalidades da empresa, sua função social e o bem público. É nesse sentido que a lei menciona como infração a esse dever: a pratica de atos de liberalidade às custas da empresa; utilizar em benefício próprio ou de terceiro os bens da companhia, sem autorização do conselho ou assembleia; receber vantagens de terceiros em função do exercício do cargo, etc.

A diligência confunde-se com a probidade, com a retidão, a conduta própria para alguém que assume a direção de um patrimônio e de pessoas – a empresa, para orientá-la de modo profícuo, promovendo desenvolvimento econômico, social e humano, que é sua função social.

O dever de lealdade e sigilo se expressa pela conduta zelosa do administrador, dos interesses da companhia. Implica a vedação de aproveitar-se comercialmente de informações que tem em virtude do cargo em benefício próprio; deixar de proteger os interesses da companhia ou não fazer uso das boas oportunidades de negócio para a companhia para obter vantagens; negociar bens que sabe imprescindíveis ou de interesse da empresa, em benefício próprio; divulgar informações relevantes em momento impróprio, que possa interferir no mercado de ações.

A lealdade é, antes de tudo, primar pelos interesses da companhia sem se deixar atrair pelas oportunidades de tirar proveito em seu próprio benefício, do acesso que tem ao patrimônio, estratégias e informações.

O terceiro dever é o de informar que incumbe especialmente ao administrador de companhia aberta, e diz respeito às informações relevantes que possam interferir no mercado de ações. Também implica o dever de informar a assembleia geral sobre a sua própria condição de acionista (ações que possui, patrimônio, etc), todo tipo de compromissos assumidos pela companhia com empregados do alto escalão, e outros fatos relevantes relacionados à administração.

Por fim, no tocante ao dever de evitar conflito de interesses, indica o legislador que ao administrador é vedado participar de deliberação em que seu interesse próprio conflite com o da companhia, e de participar de atos negociais em que possa encontrar-se nessa situação. Apesar de tais restrições, o administrador pode contratar com a companhia, desde que em condições de mercado, e equivalentes as que a companhia firmaria com terceiros.

Além dos deveres previstos da LSA, a observância da própria lei no tocante à regular gestão da companhia, registros e propósitos, e o que os próprios acionistas dispuseram em seu estatuto social, são demonstrações da referida boa-fé, eis que a esses instrumentos a lei vincula a responsabilidade dos administradores.

Art. 158 da LSA:

“O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I -dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II – com violação da lei ou do estatuto.
[...]”. (grifo nosso).

A norma societária dá respaldo à responsabilização dos administradores não apenas na esfera civil, expressamente mencionada na LSA, como fornece elementos à aplicação das responsabilidades de cunho fiscal, criminal, trabalhista, ambiental, por exemplo.

Como bem explicam Pedrazzi e Costa Júnior²

a tutela das sociedades como pessoas jurídicas obedece a evidente interesse coletivo: dado o papel de protagonistas que assumiram no sistema econômico nacional, constitui interesse não apenas de seus sócios, mas de toda a nação, que venham elas a ser geridas honesta e corretamente.

Quanto à delimitação da responsabilidade, a lei disciplina regras e exceções, prevendo comprometimentos a que estão sujeitos os administradores no exercício de suas funções e procedimentos necessários a resguardar a licitude de seus atos. Assim, embora a regra geral seja a de que cada administrador responda pelos próprios atos praticados no exercício da função, é possível configurarem-se a responsabilidade por conivência ou a solidária entre administradores, pelos atos ilícitos praticados em prejuízo da Companhia e da sociedade em geral.

Há responsabilidade por conivência, quando sabendo de ato ilícito praticado por outro administrador, omitir-se de agir para impedir a sua prática. Do mesmo modo, será responsável caso seja negligente em descobrir as práticas ilícitas de outro administrador estando no seu dever. Explica Oliveira : “… se houver negligência em relação às irregularidades cometidas, a responsabilidade pessoal se estenderá aos administradores coniventes e negligentes”.

Para eximir-se da responsabilidade nesses casos, indica o legislador, que se manifeste diante do conselho fiscal, administrativo ou assembleia geral, de modo a fazer conhecer o fato, consignando em ata a sua posição quando determinado ato venha a ser votado no órgão deliberativo.

A solidariedade entre administradores das sociedades anônimas de capital fechado firma-se ao concretizarem-se prejuízos em face do não cumprimento dos deveres legais e estatutários, necessários ao funcionamento normal da empresa, mesmo, frisa a lei, quando pelo estatuto tais deveres não caibam a todos eles. Já para as companhias abertas há uma regra distinta, cada administrador responde conforme o estatuto, embora sua responsabilidade fique vinculada ao dever de comunicar sempre que tenha conhecimento de atos ilícitos praticados por predecessores ou pelos outros administradores. Haverá, ainda, responsabilidade solidária envolvendo os administradores e quaisquer outras pessoas da empresa que pratiquem atos em violação da lei ou do estatuto com o fim de obter vantagem.

Sobretudo, o que norteia a responsabilidade dos administradores é o caráter de garantidores que os mesmos representam perante a sociedade, pois, nas palavras de Carvalhosa : “a relação entre a companhia e o administrador é chamada, com efeito, de fiduciaryrelationship, a refletir as relações jurídicas de confiança que norteiam a conduta deste último”.A conduta dos administradores será considerada adequada sempre que ela corresponda à soma dos interesses da própria empresa e do bem da coletividade.

 

[1]OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de Direito Empresarial Brasileiro, Campinas, LZN, 2004, p. 610.

[2]PEDRAZZI, Cesare; COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal Societário, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996.

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